terça-feira, 18 de outubro de 2016

ONDE ESTÃO OS CANTORES LÍRICOS PORTUGUESES?



Já por diversas vezes eu e outros escrevemos neste blogue que seria muito interessante e importante que os cantores líricos portugueses fossem mais vezes ouvidos nos espectáculos de ópera em Portugal. Deixo alguns “porquês” que não consigo compreender.



Há uma geração de bons cantores consagrados (alguns com carreiras internacionais de topo) e outra de jovens muito talentosos que raramente conseguimos ouvir em Portugal. Porquê?

Ao ver a presente temporada do Teatro Nacional de São Carlos (TNSC), o único teatro nacional de ópera, é chocante a quase ausência total de cantores portugueses. Porquê?

Assisti há dias à primeira ópera da temporada do TNSC e única das que considero popular e bem conhecida de todos, a Carmen. Todos os papéis principais foram interpretados por cantores estrangeiros. Se tivesse assistido a umas belas interpretações, enfim, mas foram todas francamente más (embora umas piores que outras). E os portugueses só cantaram (e bem) os papéis secundários. Porquê?

Ainda sobre a temporada do São Carlos, ela é a antítese do que seria uma temporada interessante e apelativa para um público que se tem visto privado de ópera de qualidade nos últimos anos. Poucos espectáculos, óperas agrestes para o “grande público” e, com excepção da Carmen, ausência de óperas populares que ajudam a cativar e a conquistar novos públicos. Porquê?

 

Tive conhecimento muito recentemente (pelo JAM que também escreve neste blogue e dele aqui transcrevo algumas palavras) que corre na net uma petição com reivindicações dos cantores líricos portugueses, que pode ver aqui, caso não a conheça:


Embora concorde com muito do seu conteúdo, não vou assiná-la porque discordo da forma como está escrita, num tom excessivamente panfletário que, em minha opinião, lhe tira força. Mas merece ser discutida e poderia servir de pretexto para uma análise mais séria da realidade do TNSC e das políticas domésticas em relação ao espectáculo lírico.

Entretanto, é com grande tristeza que vejo que os nossos cantores líricos, para poderem sobreviver, ou vão dedicar-se à agricultura, ou têm que emigrar (como milhares de outros portugueses). A geração mais jovem, para conseguir alguma dignidade e independência, foi quase escorraçada do País, que ainda virá a pagar um preço muito elevado. Porquê?

(João Merino, um excelente cantor português que teve que cultivar cogumelos)


(Ricardo Panela, outro excelente jovem cantor português que emigrou)


Será que no TNSC não há quem perceba todo este despautério? Que tal, para começar, fazer uma aposta num par de óperas populares com cantores portugueses nos papéis principais (e há várias possibilidades em Mozart, Verdi e Puccini)?  Estou certo que (evitando encenações pseudo-modernas e agressivas, e aproveitando os telões que estão no espólio do teatro) seria uma aposta ganha e poderia ser um bom começo para dignificar as temporadas do TNSC. Porquê não apostar?

5 comentários:

  1. Já passa um bom tempo desde que começámos a discutir esta questão e a sua sugestão final aqui pela blogosfera. Continuo a subscrevê-lo e, embora tenha reconhecido algum mérito à encenação desta Carmen e tenha achado a intérprete principal num plano superior, também me parece que o espectáculo foi só "mais um" e uma alocação de recursos mal feita. Não sinto nenhum efeito placebo por saber que são estrangeiros um Escamilo medianamente competente, uma Micaëla insípida e um Don José aparentemente tão... amador. Ainda se permitisse economias ao teatro... mas será esse o caso? Não estou chocado com esta "Carmen" mas estou de facto um bocado surpreso por a temporada não ter portugueses.

    ResponderEliminar
  2. Na minha modesta óptica, a temática em apreciação, tal como plasmada na petição em curso, redunda algo redutora pelo aparente simplismo de que se reveste.

    De facto, creio, firmemente, que a exiguidade de cantores nacionais em papéis de superior relevância constituir-se-á mera decorrência de um acentuado défice estrutural corporizado na ausência de uma rede de temporadas líricas regionais que permitam a intérpretes autóctones a criação de todo um reportório, habilitando-os a um efectivo acesso a teatros de maior nomeada.

    Ainda que, parcialmente, discutível no âmbito de uma temporada de laudatório equilíbrio (lastimo não secundá-lo neste particular, caríssimo Fanático_Um), a priorização de corpos artísticos alóctones em papéis como Micaela ou Silvio em Pagliacci afigura-se exemplo sintomático de um desolador panorama que persiste.

    ResponderEliminar
  3. Caro Fanático, agradeço-lhe mais uma vez a menção e garanto-lhe que não é por falta de vontade minha (ou de insistência) que não venho mais vezes a Portugal.
    Deixo-lhe um grande abraço e olhe... pode ser que para o ano! A ver vamos, como diz o cego. :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O problema só se resolve se houver uma companhia de cantores líricos portugueses num teatro, por exemplo, o da Trindade. Mas será difícil convencer o Ministério da Cultura a dar um subsídio ao Inatel.

      Eliminar
  4. Os cantores portugueses (em Portugal) têm sido sistematicamente votados ao ostracismo pelos pseudo-intelectuais que têm pululado nas audiências do S. Carlos.
    No dizer do excelente barítono que foi Hugo Casaes, a desgraçada abolição da ópera no Trindade tratou-se de um autêntico "genocídio cultural". De facto, o Trindade era uma verdadeira escola de cantores e um ponto de partida para a democratização da arte lírica. Já poucos terão memória do que lá se fez. As fitas com gravações de todos os espectáculos encontram-se a ganhar bolor nas catacumbas do Inatel (antiga FNAT). No Trindade leccionaram Judite Lupi Freire, Tomás Alcaide, Gino Bechi e Giovanni Voyer.
    O director (Dr. José Serra Formigal) foi "saneado" não obstante o pedido dos cantores e dos funcionários.
    E assim ficámos. Para a criação de um novo teatro de ópera secundário são precisos fundos. Quem pagará? Aceitam-se mecenas.

    ResponderEliminar